Para as visitas das mães de gato

InstagramCapture_9bb7b1db-1c85-412b-98fd-d307c0b40e5e

Ah, uma bolsa! Não acredito!

Você se lembra do dia em que seu pai chegou em casa carregando duas enormes caixas de papelão que ocuparam metade da sala e anunciou que ali estava o primeiro computador da família? Você, sua mãe e seus irmãos rodearam ansiosos, enquanto o patriarca levava longos minutos para cuidadosamente desembrulhar a parafernália. O mais novo observou todo o ritual de montar, encaixar e achar o cabo certo para cada buraco com o deslumbramento de quem acaba de ganhar um foguete da Nasa,  e o seu irmão do meio já se aboletou na cadeira roubada da cozinha, e que havia sido promovida a Móvel do Computador, com três disquetes na mão e dizendo que ia instalar o Windows 98 – mas sem fazer ideia do que é isso. Você se fez de blasé segurando uma expressão neutra no rosto, mas enlouquecido com todas as possibilidades de nicknames para entrar no bate-papo do uol. Mas sua mãe, enquanto ia e voltava da cozinha, mandou três vezes seu irmão caçula tirar o dedo do botão “porque vai pifar”.

Quando você visita um amigo que tem gatos, você é a caixa com um computador dentro, os gatos são a sua curiosa e intrigada família. Acho importante esclarecer isso porque pessoas que não estão habituadas à convivência com felinos entram na minha casa cheias de cuidados e preocupações com essas coisas peludas que não param de se mexer.

Meus gatos arranham os sapatos das visitas, sobem no encosto do sofá para cheirar o cabelo delas, entram na bolsa dessas pobres pessoas, encaram-nas fixamente, andam por cima delas.

Enquanto tudo isso acontece eu tento oferecer uma água e encontrar o tom de voz mais convincente para explicar que eles não são trombadinhas sem parecer uma mentirosa.

Mas a verdade é que quando você chega a uma casa cheia de gatos o assunto deles com você não é nada pessoal. Na real, você é só uma grande massa desconhecida que fala, se mexe e cheira de um jeito que eles nunca viram. Então eles ficam ao seu redor observando cada uma das suas esquisitices tentando entender para o que é que você serve. Tentam achar alguns botões em você e até se aventuram a apertá-los, para saber se alguma parte sua acende e pisca. Mexem nas suas coisas porque acham engraçado você carregar essas quinquilharias tipo chave e celular. Por falar em chave, o que é isso que balança e faz barulho pendurado na sua bolsa?

Um dos gatos sempre fica meio de canto, reservado. Prefere não se aproximar porque imagina que algo assim tão esquisito deve ser perigoso. E ele vai ficar de olho em você até que resolva se levantar do sofá – que pertence ao gato – e ir embora. Só por precaução.

Mas os outros, destemidos, vão te fuçar e esmiuçar nos mínimos detalhes e fazer experiências com você. São empiristas, os gatos.

Você, amigo visitante, é aquela novidade no meio da sala que chegou sem avisar, cheio de funcionalidades desconhecidas e botõezinhos que pedem “me aperta”.

Esse estudo de caso com o seu corpo todo e seus dispositivos vai durar uns bons 50 minutos. Talvez até mais se você for uma visita performática que fala, come e dança, o equivalente aos computadores que já vinham com CD de instalação da Aol. Ela vai até você perceber que não adianta relutar, que é preciso aceitar os gatos, com seus pelos na roupa preta e suas unhas finas e pontiagudas na calça jeans.

Mas quando você, visita, começar a achar engraçado sentir aquele bigode fazendo cócegas no braço, e quando te bater uma vontade de ser amiga dos bichanos, seu status de invasor alienígena será passado e você não mais estará no centro da obsessão felina.

Depois que os gatos derrubarem seu guaraná, pisarem nas suas pernas, puxarem seu cabelo, chutarem sua cabeça enquanto correm no encosto do sofá, interromperem sua conversa, te assustarem no banheiro e conseguirem sua atenção, eles vão ficar entediados, deitar e dormir.

Toda mãe é louca

Sai, maluca

Sai, maluca

Quando eu era criança minha mãe só me deixava frequentar a casa de amiguinhas cuja família fosse conhecida, porque existia o risco iminente de eu estreitar os laços de amizade com alguma garota que tivesse um pai tarado, e consequentemente levar as minhas Barbies para brincar ao alcance dele. Eu não ficava feliz com as negativas da minha mãe, mas na época achava que tarado era uma palavra engraçada e usada para falar sobre homens que andavam na rua falando alto e sozinhos, chacoalhando os braços. Só descobri o que realmente é um tarado anos depois, quando já estava na idade de ficar chocada com os pensamentos apocalípticos das mães sobre tudo e todos. Aparentemente, elas vêem tarados, atiradores de elite e palhaços da kombi por toda a parte e por isso nós, os filhos, devemos ficar seguros e trancados dentro de casa.

Mas com o passar dos anos, e já vendo os 30 dobrando a esquina, a gente vai ficando cada dia mais parecida com a mãe, a tia e a avó. Hoje mesmo eu estava xingando o transporte público para desconhecidos no vagão – uma típica atitude de senhora. E seria mesmo improvável que eu passasse ilesa pela idade em que elas – as previsões de catástrofes – arrombam a portinha da nossa cabeça e ali se alojam para todo o sempre. Por isso, aqui estão elas, crescendo e se reproduzindo em mim.

Na ausência de filhos, no entanto, eu canalizo as minhas previsões de catástrofes para mim mesma, meu namorado, minhas amigas, meu apartamento e, é claro, meus gatos. Tenho pesadelos horrorosos com gatos fugindo pela frestinha da janela da clínica veterinária na hora da vacina e gatos morrendo e virando notícia esquecidos dentro do carro.

Imaginar as tragédias que podem acontecer se eu me descuidar dos gatos – e me desesperar com cada possibilidade – pelo menos me deixa feliz com o tamanho da criatividade que vive em mim, porque acho que consigo botar o medo do pai tarado no chinelo:

– Antes de sair penso em deixar a janela aberta, mas fico em pânico ao imaginar os gatos desatando os nózinhos da tela da sala e correndo para a rua no exato momento em que um ônibus vem passando;

– Então fecho as janelas mas me vem uma vontade de chorar quando visualizo os gatos assando e desmaiando no apartamento quente e abafado;

– Quando lavo roupa fico checando a máquina de lavar para garantir que não derrubei nenhum gato entre um lençol e duas fronhas, e agora ele está lá sacodindo e se afogando na água com sabão;

– Se os gatos espatifam algo de madrugada eu primeiro checo se não é um invasor (ou um tarado) quebrando a janela para entrar na minha casa, e depois que descubro que foi só mais um copo – o sexto na última semana – cato todos os caquinhos com medo dos gatos saírem pela casa jogando futebol com um caco de vidro, cortando a cara e as patas;

– Antes de sair conto todos os gatos. Primeiro porque um deles pode estar trancado no armário, o que implica em definhar e morrer antes de eu voltar do trabalho, e depois porque pode ser que algum tenha fugido sem eu perceber, então é melhor descobrir logo e começar as buscas;

– Cada vez que um veterinário receita um xarope expectorante, um vermífugo ou uma vitamina, eu releio a receita 175 vezes para me certificar de que estou dando a quantidade certa, e não matando meu gato com uma superdosagem de Cat Lysin. Eu jamais me perdoaria;

– Quando um gato está dormindo por muito tempo eu cutuco e faço levantar. Pode ser que esteja desmaiado ou muito doente, e eu preciso saber a tempo de levar para a emergência;

– Toda vez que coço a barriga das minhas gatas e sinto uma protuberância começo a apalpar atentamente preocupada com a possibilidade de ser um tumor. Mas – que bom! –  sempre é um peitinho.